domingo, 14 de agosto de 2011

ENTIDADE QUE RECEBEU R$ 2,5 MILHÕES PARA PESQUISAR TURISMO FICA EM IGREJA

Pastor que se apresenta como ‘turismólogo’ é responsável por Conectur, empresa de fachada que embolsou recursos de convênios do governo e, segundo as investigações da PF, os repassou


para Fátima Pelaes

Leandro Cólon - Enviado Especial
MACAPÁ - Embrião do esquema de corrupção no Turismo do Amapá, a entidade Conectur é registrada numa igreja evangélica. Recebeu R$ 2,5 milhões do governo federal, mas nunca existiu. No seu endereço oficial funciona a Assembleia de Deus Casa de Oração Betel.








WILSON PEDROSA/AE
Entidade que recebeu R$ 2,5 milhões para pesquisar turismo fica em igreja
O pastor é o dono da Conectur, Wladimir Furtado. Ele mora no andar de cima e foi preso na Operação Voucher, da Polícia Federal. É acusado de envolvimento nos desvios de recursos em convênios do Ministério do Turismo e, segundo investigados, de repassar parte do dinheiro para a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP).
A deputada é chamada de "advogada" nas conversas telefônicas, de acordo com a polícia. O pastor nega as acusações.
Estado foi visitar a "sede" da Conectur na sexta-feira. Acabou encontrando uma igreja. A ousadia é tamanha que o pastor pendurou no alto do prédio religioso uma bandeira mencionando o convênio com o Ministério do Turismo. O banner estava lá três dias depois da operação policial que desmontou o esquema. Em depoimento à PF, Furtado disse ser "turismólogo". Sua entidade ganhou R$ 2,5 milhões do Ministério do Turismo para cuidar da "Realização de Estudos e Pesquisas sobre Logística no turismo no Estado do Amapá, levando em conta a situação das redes estabelecidas ao redor dos serviços turísticos". A verba foi liberada, mas projeto não saiu do papel. E o dinheiro sumiu.
O Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), pivô do esquema revelado pela Operação Voucher, foi, depois de 2009, uma espécie de "sucessor" da Conectur, que virou uma "subcontratada de fachada" do próprio Ibrasi. É o que, na avaliação dos investigadores, revela os indícios de uma grande organização criminosa, uma "quadrilha", que contou com a participação de funcionários do Ministério do Turismo.
A casa - ou a igreja, no caso - "caiu" na madrugada de terça-feira, quando agentes da PF prenderam o pastor e o esquema começou a ser desvendado. Ele havia colocado o sobrinho e a cunhada, que moram na periferia de Macapá, como "laranjas" na diretoria da Conectur. Os dois também foram presos na terça-feira e entregaram o jogo para a PF: o dinheiro do Ministério do Turismo, segundo eles, foi parar nas mãos da deputada Fátima Pelaes.
Wladimir, ex-prefeito da cidade de Ferreira Gomes (AP), não só foi entregue pelos parentes, como teve de contratar um advogado às pressas por R$ 40 mil para tentar sair da cadeia e também livrá-los da prisão.


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Sanatório geral
A Operação Voucher desencadeada pela Polícia Federal no Ministério do Turismo fez mais do que trazer à tona outro escândalo escabroso, desta vez com gravações que ensinam a roubar sem deixar vestígios e quase quatro dezenas de presos. Foi exemplar para ilustrar a balbúrdia que se instalou no país.
Ainda que se condene a pirotecnia da ação, a PF cumpriu o seu dever. Pena que só o fez depois de não o fazer nos ministérios dos Transportes e da Agricultura. Pior: quando fez o que tinha de ser feito foi repreendida. Formalmente, pelo uso ilegal de algemas, mas, de fato, por agir sem informar previamente à presidente da República.
Fala-se com impressionante naturalidade do quão “surpreendida” ficou a presidente Dilma. Que ela quer “enquadrar” a PF, que ficou irritada, deu bronca no ministro da Justiça. O jornal O Estado de S. Paulo chegou a publicar – também sem qualquer juízo ou crítica, como se normal fosse – que tudo era diferente para o ex. Com um código de letras, o então diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, descumpria a lei, mas avisava as operações a Lula.
O Código Lacerda é emblemático. Mostra com precisão como Lula entendia – e possivelmente ainda entende - o Estado. Na sua cartilha, as instituições existem para servir ao governo, seus integrantes, companheiros e aliados, não ao país e ao seu povo.
Por vontade, esperteza ou má-fé, promoveu-se a confusão geral. Misturou-se Estado e governo, o público e o privado, os cofres da nação com os dos partidos políticos, além de alguns bolsos privilegiados. Admitiu-se a impunidade como regra, incentivando a pilhagem do dinheiro do contribuinte. Deu-se corda, destreza e requinte à corrupção, ácido que corrói ainda mais as instituições.
Tudo tido como usual. Coisa que todo mundo sempre fez, faz e fará. Daí não causar espanto o desencaixe absoluto das engrenagens.
Ninguém nem mesmo reclama mais do toma lá dá cá no Congresso Nacional, onde o que importa para a maioria são cargos, privilégios e outros favores que o governo oferece. Tampouco se exige algo da oposição, há tempos acuada, com um ou outro expoente que, como andorinha solo, não consegue fazer verão.

O Supremo cobre a ineficácia legislativa, mas tarda e falha nas suas tarefas. E o Executivo gasta mais e pior para acomodar amigos, companheiros, protegidos de aliados e descontentes perigosos.
Por sua vez, a presidente Dilma, mesmo sendo a principal figura do governo anterior, colhe aplausos por não compactuar com a roubalheira, como se o inverso fosse admissível.
E louva-se a sanidade do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, assertivo ao defender o Estado de Direito. Estranho seria o contrário. Pelo menos enquanto o país for uma República e não um hospício.
Mary Zaidan é jornalista, trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa, @maryzaidan
Estênio Negreiros
Fortaleza,CE
"As leis são como as teias de aranha; os pequenos insetos prendem-se nelas, e os grandes rasgam-nas sem custo”. (Anacaris, sábio grego, da Antiguidade)

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