Eu quero quebrar tudo e fazer a revolução! Mas eu o farei do meu sofá. O marechal Deodoro da Fonseca foi acordado no meio da madrugada para proclamar a República. Teve de se livrar das ceroulas do pijama, vestir a farda e ir lá, salvar a pátria. Isso foi no século XIX. Hoje, se não me falha o relógio do Windows, é século XXI. Os pauzinhos se inverteram. Eu quero fazer a revolução no meio da madrugada sem nem desembainhar a espada. Aliás, com a tecnologia
wireless, quero fazer revolução sem nem me levantar da cama. Fazer meu dever cívico é obrigação; pentear o cabelo é pura frescura de séculos atrasados. Piquete is so last week. Na real, tão anos 20.
Hoje, com o Trending Topic no Twitter #AbaixoDecreto, mais uma vez rolou a grita dos verdadeiros cidadãos brasileiros: ora, deveriam fazer a revolta nas ruas. Fechar a Paulista. Fazer panelaço. Invadir a reitoria. Impedir que se ande por qualquer avenida. Levantar piquete. Pintar a cara. Batucar na frente de hospitais. Tirar as crianças da escola. Fazer como fizeram no Egito.
Esse é o jeito certo de fazer a coisa certa, não é? Trending Topic seria pra bunda-mole. E talvez seja. Mas foi para isso que inventaram a civilização: da geladeira ao revólver, todas as invenções que prosperam servem para que não só os pitboys de academia tenham algum valor de mercado e consigam roubar nosso lanche. Civilização é dar poder aos bunda-moles. Todos os homens nascem diferentes, mas Samuel Colt os tornou todos iguais.
Fazer baderna pode parecer o jeito certo, porque é o único jeito que foi conhecido de derrubar um governo, olhando para o passado. O passado não é um bom jeito de verificar o que foi certo. Na verdade, a História é a história de um bando de cretinos. Sempre que uma massa marchou para derrubar um regime, estava sendo orquestrada por uma oligarquia que queria o poder para si - e o tomou de todo, mandando a mesma massa ir pastar pouquíssimo tempo depois. O sonho de todo esquerdista, afinal, é liderar uma turba enfurecida.
sofa.jpgE por que diabos devemos ir pras ruas? Em que cargas de realidade paralela esse é um jeito melhor de se fazer política?! O sentido que se quer com isso é claro: só se é um bom cidadão, antenado e inteligente, se sua opinião precisa ser apresentada a toda a população enquanto ela vai trabalhar, estudar ou fazer alguma outra coisa daquele rol de atividades que são denominadas vida. É uma imposição da atividade política até onde ela não é mais cabível. É o sentido em fechar ruas, em gritar, em impedir a passagem de transeuntes que, afinal, têm algo mais importante do que fazer do que não fazer nada no meio da rua, mas com o objetivo de "protestar".
É legal protestar. Eu gosto de reclamar de políticos, eu quero derrubar todo mundo. Alguns, eu queria derrubar mesmo a pauladas. Mas isso eu faço na tranqüilidade da porta dos fundos do Congresso, armado de um tacape coberto de pregos. A alavanca é a maior conquista da engenharia. Um tacape é uma alavanca: sejamos progressistas com a tecnologia. Ninguém precisa fazer barricadas por isso.
mst_bradesco.jpgO pressuposto é sempre aquele de que, se um político mija fora do pinico, deve-se criar uma situação tão insustentável para a população que ela não agüente e vá arrancá-lo do seu cargo pelo pescoço. Dialética histórico-materialista. Isso funcionou com o muro de Berlim, literalmente destruído na unha. Mas é uma falta de conhecimento histórico acreditar piamente que a abertura democrática, as Diretas Já ou o Impeachment de Collor se deram pelos universitários e sindicalistas matando aula e fazendo assembléias gerais. Isso é coisa de movimentos sociais. Movimentos sociais são apenas isso, afinal: pessoas que, se não conseguem o que querem, fecham estradas e avenidas, porque são mais importantes do que transporte de alimento e ambulâncias.
Ademais, quantos escândalos rolaram no governo Lula? Houve passeata da CUT, do MST, da UNE e demais bandeirolas do PC do B impedindo acesso aos 34 hospitais da região da Avenida Paulista (8,4 mil dos 33,6 mil leitos, ou 25% dos leitos da cidade)? Em compensação, quantos "Fora FHC e o FMI!" aconteceram? Na revista Mais Valia n.º 4 há uma entrevista com duas estudantes universitárias (isso lá é coisa pra se entrevistar?!) que acharam UM A-B-S-U-R-D-O terem ido a uma manifestação e só fecharem duas faixas da Paulista. "Eles não podem aceitar isso - têm de fechar a avenida toda!" É isso que é progresso? Foi para isso que inventaram o progresso?
Os estudantes que ficaram doentes, lendo livros de filosofia política ou escrevendo de maneira mais higiênica em jornais e revistas são menos politizados do que os democratas da garganta e megafone? A Gaviões da Fiel, gritando em uníssono no metrô "Quem não for corinthiano vai pra PQP!" é a forma correta, a melhor forma de participação democrática?
forafhc.jpg A imaginação que depois formata um modelo de sociedade não acompanha o progresso científico a não ser em teocracias e totalitarismos onde o Estado impede o próprio progresso. O que essas pessoas querem é justamente querer politizar tudo, para que tudo seja questão estatal. Como se a democracia e nosso modelo de sociedade já estivesse adequado, com umas 2 ou 3 trocas de canetadas entre deputados da linha oldschool do jaguncismo na época das eleições (querendo saber quanto o Estado conseguiria controlar a internet) resolvesse todos os problemas e atualizasse nossos sistema para o século XXI, onde os eleiores não lêem mais notícias nos jornais dos candidatos, e sim os jornais dos candidatos divulgam o que seus eleitores fazem no Twitter.
Se se dizem progressistas e politizados, tratem de fazer o sistema se atualizar a ponto de uma forma populista de governo de terceiro mundo, como definir o salário mínimo por decreto presidencial, não seja mais aceita. Sobretudo, de depor contra a presidente sem precisar atrapalhar a população. Política não precisa ser assunto para quem não quer se meter com política, como Física Quântica não precisa ser assunto para quem não entende de Física, mesmo com um acelerador de partículas que pode tragar nossa galáxia num piscar de olhos.
forasarney.jpgEu quero melhorar o meu país, e por isso não vou fazer panelaço na rua. Existem coisas melhores do que um Trending Topic no Twitter? Existem, mas piquete não é uma delas. Não adianta organizarem um #forasarney no vão do MASP, e reclamarem que só foram 30 pessoas (que, misteriosamente, tinham algo para fazer, além de nada). O modelo está errado. Se a Dilma quer governar por decreto, eu quero um contra-decreto. Se na época de Collor talvez tenha sido preciso uma passeata para indicar a insatisfação popular (mesmo que fosse claro para qualquer um que tivesse uma conta poupança), hoje já não é mais. Se o governo da Dilma se desestabilizar, acho mais civilizado que notem a impossibilidade de mantê-la no cargo via Trending Topic do que fechando avenidas. Eu sou uma barricada de pijama.
Progresso é isso. Civilização é isso. Alguém imagina um dinamarquês insatisfeito com o ato de um político safado fechando avenidas por isso? Lá nem trânsito existe, que dirá alguém querendo mais trânsito pelo bem de todos.
Se só os eleitores da tag #AbaixoDecreto votassem, podem ter certeza de que o país seria melhor, sem precisar de nenhum megafone. #ForaDilma! ZZZzzzzz!
Flávio Morgen
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