sexta-feira, 18 de julho de 2014

A MATEMÁTICA DA POLÍTICA CEARENSE

            Muitas são as versões para a escolha do candidato à sucessão ao Palácio da Abolição. Até eu tenho a minha e tentarei explicá-la com a fábula de Malba Tahan que segue:

O leão, o tigre e o chacal abandonaram, certa vez, a furna sombria em que viviam e saíram, em peregrinação amistosa, a jornadear pelo mundo, à procura de alguma região rica em rebanhos de tenras ovelhinhas. 
Em meio de grande floresta, o temível leão, que chefiava, naturalmente, o grupo, sentou-se, fatigado, sobre as patas traseiras, e erguendo a cabeça enorme soltou um rugido tão forte que fez tremer as árvores mais próximas. 
O tigre e o chacal entreolharam-se, assustados. Aquele rugido ameaçador com que o perigoso monarca, de juba escura e garras invencíveis, perturbava o silêncio da mata, traduzido para uma linguagem ao alcance dos outros animais, queria dizer, laconicamente, o seguinte: Estou com fome. 
- A vossa impaciência é perfeitamente justificável! - observou o chacal, dirigindo-se humildemente ao leão. 
- Asseguro-vos, entretanto, que conheço, nesta floresta, um atalho misterioso, do qual as brutas feras jamais tiveram notícia. Por ele poderíamos chegar, com facilidade, a um pequeno povoado, quase em ruínas, onde a caça é abundante, fácil, ao alcance das garras, e isenta de qualquer perigo! 
- Vamos, chacal! - acudiu, de pronto, o leão. - Quero conhecer e admirar esse recanto adorável! 
Ao cair da tarde, guiados pelo chacal, chegaram os viajantes ao alto de um monte, não muito elevado, donde se descortinava uma pequena e verdejante planície. 
No meio dessa planície achavam-se, descuidados, alheios ao perigo que os ameaçava, três pacíficos animais: uma ovelha, um porco e um coelho. 
Ao avistar a presa fácil e certa, o leão sacudiu a juba abundante num movimento de incontida satisfação. E com os olhos brilhantes de gula, voltou-se para o tigre e rosnou, em tom possivelmente amistoso:- Ó tigre admirável! Vejo ali três belos e saborosos petiscos: uma ovelha, um porco e um coelho! Tu, que és vivo e esperto, deves saber, com talento, dividir 3 por 3. Faze, pois, com justiça e eqüidade, essa operação fraternal: dividir 3 caças por 3 caçadores! 
Lisonjeado com semelhante convite, o vaidoso tigre depois de exprimir com uivos de falsa modéstia a sua incompetência e o seu desvalor, assim respondeu: 
- A divisão que generosamente acabais de propor, ó rei, é muito simples e pode fazer-se com relativa facilidade. A ovelha, que é o maior dos três petiscos, o mais saboroso e, sem dúvida, capaz de saciar a fome de um bando de leões do deserto, cabe-vos, de pleno direito. A ovelha será vossa exclusivamente vossa! 
Aquele porquinho magro, sujo e despiciendo, que não vale uma perna da bela ovelha, ficará para mim, que sou modesto e com bem pouco me contento. E, finalmente, aquele minúsculo e desprezível coelho, de reduzidas carnes, indigno do paladar apurado de um rei, tocará ao nosso companheiro chacal, como recompensa pela valiosa indicação que há pouco nos proporcionou. 
- Estúpido! Egoísta! - rugiu o pavoroso leão, tomado de fúria indescritível. 
- Quem te ensinou a fazer divisões dessa maneira, imbecil? Onde já viste uma partilha de 3 por 3 ser resolvida desse modo? E, erguendo a pesadíssima pata, descarregou na cabeça do desprevenido tigre tão violenta pancada que o atirou morto a alguns passos de distância. 
Em seguida, voltando-se para o chacal, que assistira, estarrecido, àquele trágico desfecho da divisão de 3 por 3, assim falou: 
- Meu caro chacal! Sempre fiz da tua inteligência o mais elevado conceito. 
Sei que és o mais engenhoso e esclarecido dos animais da floresta, e outro não conheço que possa levar-te a melhor na habilidade com que sabes resolver os mais inextricáveis problemas. Encarrego-te, pois, de fazer essa divisão simples e banal, que o estúpido do tigre (como acabaste de ver) não soube efetuar satisfatoriamente. Estás vendo, amigo chacal, aqueles três apetitosos animais, a ovelha, o porco e o coelho? Somos dois, e os animais apetitosos são três. Pois 
bem: vais dividir os três por dois! Vamos: faze logo os cálculos, pois preciso saber qual é o quociente exato que a mim cabe! 
- Não passo de humilde e rude servo de Vossa Majestade - ganiu o chacal, em tom humílimo de respeito. Cumpre-me, pois, obedecer cegamente à ordem que acabo de receber. Vou, como se fora um sábio geômetra, dividir aqueles três animais por nós dois. Trata-se de uma simples divisão de 3 por 2! A divisão matematicamente certa e justa é a seguinte: a admirável ovelha, manjar digno de um soberano, cabe aos vossos reais caninos, pois é indiscutível que sois o rei dos animais; o belo bacorinho, do qual estou ouvindo os harmoniosos grunhidos, deve caber também ao vosso real paladar, visto dizerem os entendidos que a carne de porco dá mais força e energia aos leões; e o saltitante coelho, com suas longas orelhas, deve ser, também, por vós saboreado a título de sobremesa, já que aos reis, por lei tradicional entre os povos, cabem sempre, como complemento dos opíparos banquetes, os manjares finos e delicados. 
- Ó incomparável chacal! - exclamou o leão, encantado com a partilha que acabava de apreciar. - Como são harmoniosas e sábias as tuas palavras! Quem te ensinou esse artifício maravilhoso de dividir, com tanta perfeição e acerto, 3 por 2? 
- A patada com que vossa justiça puniu, há pouco, o tigre arrogante e ambicioso, ensinou-me a dividir, com segurança, 3 por 2, quando, desses dois, um é leão, outro é chacal! Na matemática do mais forte, penso eu, o quociente é sempre exato, e ao mais fraco, depois da divisão, nem o resto deve caber! 
E, desse dia em diante, sugerindo sempre divisões dessa ordem, inspirada na mais torpe sabujice, julgou o astucioso chacal que poderia viver tranqüilo a sua vida de bajulador, a regalar-se com os sobejos que deixava o sanguinário leão. 
Enganou-se. Decorridas duas ou três semanas, o leão, irritado, faminto, desconfiou do servilismo do chacal e deu-lhe violenta patada, matando-o cruelmente. 
Cabe aqui advertir. É que a verdade deve ser dita, redita, e quarenta vezes repetida: 
- O castigo de Deus está mais perto do pecador do que as pálpebras estão dos olhos!
  

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