sábado, 28 de janeiro de 2012

O SENDEIRO – LA BOHÈME IPUENSE

Os primeiros fachos das luzes vermelhas projetavam ao longe suas estilhas sensuais logo ao nascer da “boca da noite”, eriçando a libido masculina dos que moravam na parte baixa da cidade. A penumbra parda da noite envolvia e camuflava os sedentos homens que seguiam tais cães adestrados pelo cio no torpor de seus instintos sexuais. Atravessavam sequiosos as veredas de Muçambês


que guarneciam o cabaré à vista da sociedade. Conduziam suas lanternas oscilantes e caminhavam hipnóticos e ineptos tais formigas seguindo o odor do Feromônio. Em instantes se tornavam prisioneiros efusivos e cativos de uns braços banhados por perfumes baratos e de aroma forte e duradouro. Nas “casas de família” protegidas pelos preceitos da época dormiam PRESAS ao luxo, abraçadas por lingeries de seda, no conforto de suas camas SOLITÁRIAS as recatadas esposas. Enquanto AFRODITE a Deusa grega do sexo e da beleza corporal andava SOLTA lá fora, excitando as almas dos homens, na nudez promíscua das taras expostas na luz tênue que delineava as curvas sedutoras das DAMAS DA NOITE. No interior dos cubículos de cobertura sustentada por um madeiro baixo e roliço era transmitida caricaturalmente no teto ondulado pelas telhas, a sombra dos corpos nos movimentos mecânicos do amor comprado, no vai e vem do acasalamento, reproduzidos em preto e branco pelo reflexo da luz do candeeiro que alumiava passionalmente sobre o chão úmido do prostíbulo, fazendo lembrar as pornochanchadas da Vera Cruz e da Atlântida. Lá fora, EROS o Deus grego do amor soprava a copa da velha TIMBAÚBA, testemunha secular dos amores libertinos, empestando o ar com o cheiro da luxúria. No salão de dança uma VITROLA esgoelava a dor de uma traição:... “AOS PÉS DA SANTA CRUZ, VOCÊ SE AJOELHOU, E EM NOME DE JESUS UM GRANDE AMOR VOCÊ JUROU, JUROU, MAS NÃO CUMPRIO, FINGIU E ME ENGANOU... Em uma mesa animada, um boêmio bradava ludicamente que estava entregue a bebida e as mulheres. No balcão de madeira talhada dois rapazes conversavam. __E aí camarada, vamos tomar uma dose da CIPÓ DO VELHO do Fransquim Soares? __Posso não rapaz! Peguei CAVALO DE CRISTA (papilomas vírus) da Chica Machadão. Dói tanto que quando vou urinar parece que estou mijando FOGO. Seu Edgard Corrêa passou prá eu tomar dez injeções de penicilina e vinte comprimidos de Tretrex Bristol. No meio do salão, outro pabulava-se contando vantagens para um amigo __Eita rapaz! Já dei três sem tirar de dentro com a Nequinha da Grota. __Só se for três agonias, bicho mentiroso! Em meio a uma nuvem de fumaça de cigarros, recendia concomitantemente o cheiro sensual do perfume com a bebida. Numa mesa próxima ao toalete, reservada especialmente, um conceituado comerciante de tecidos da cidade, pai de família (continua pag. 02)
( continuação pag. 01 )especialmente, um conceituado comerciante de tecidos da cidade, pai de família “devotado” não cansava de introduzir na calça de seu paletó suas mãos sôfregas virilha adentro, exclamando baixinho ao amigo, um ilustre e “sério” Promotor de Justiça. __Ô coceirinha boa! Mas é CHATO...! (piolho-da-púbis) peguei da Maria Beição. As canções da vitrola sadomizavam o salão... “JULGA-ME, JULGA-ME COMO QUISERES, EU AMO A DUAS MULHERES... No alto da prateleira de bebidas a imagem de ASTAROTH, o diabo com rabo e chifre sorria cinicamente. De repente um tipo gordinho e baixo corre cabaré afora segurando a cueca Samba Canção em direção a Estação Ferroviária acompanhado pelos gritos indignados de uma cunhã.
__Pega! Pega! Xêxeiro sem vergonha. Tua calça, tua camisa e teus sapatos vão ficar aqui até tu vir mim pagar seu veado. Xêxeiro fio de uma égua. Fé da puta.
Indiferentes ao engodo, as sombras dos casais dançavam pelas paredes... “SE ACASO VOCÊ CHEGASSE NO MEU CHATÔ E ENCONTRASE AQUELA MULHER QUE LHE ABANDONOU... Na camarinha da Madame, por entre laquê Glostória, pó Promessa e Tabu, Colônia Cashmere Bouquet e Lancaster, um rico fazendeiro, senhor da alta sociedade, exemplo de conduta ética e religiosa, homem de princípios morais, católico praticante!? Conduzia o filho de dezoito anos recomendando-o a Madame:
___O menino ainda é um novilho. Ainda é rapaz virgem. Trouxe-o prá VIRAR HOMEM. Arruma prá ele uma “mulher dama” nova e sadia, livre de “chato” e sem gonorréia. Pago bem!
Lá fora o vento uivava nos galhos da velha TIMBAÚBA e os corpos dos jovens em êxtase rebojavam o sangue em tudo quanto era de artéria. Os olhos reviravam em luxuriante frenesi. Abdômen e seios se contraiam e liberavam os instintos bestiais em uma arrebatada eclosão de volúpia que eletrizava os músculos retesados de excitação alcançando até os calcanhares, deixando eretos os alvéolos pontiagudos e juvenis das mamas da prostituta que se entregava ao clamor da carne. Logo mais o jato do FALO que perpetua a espécie humana umedece o ventre da mulher de ancas amplas e sedutoras, e o mancebo livra-se da inocente castidade. Neste instante uma vagem madura cai da “geriátrica” TIMBAÚBA. No salão a vitrola ensandecida lançava pelos ares acordes sofridos dos amores frustrados:... “E EU, TRISTE BOÊMIO DA RUA CASEI-ME TAMBÉM COM LUA”... De repente tudo ficara quieto e em silencio. Um caboclo em um cavalo sem sela aos gritos esbraveja.
__ Corre todo mundo! O Ipu está infestado pelos Mourões do sertão. Soltaram os presos da cadeia pública. Botaram prá correr o carcereiro. E tão subindo prá cá. Te avexa e fecha tudo Madame. Que os home num tão prá brincadeira. Vieram soltar um de seus protegidos”.
A têmpera destemida e suas intermináveis querelas políticas dos Mourões eram conhecidas no Ipu e região. Eram homens resolutos em suas causas. Um silencio de temor desceu sobre o antro. ASTAROTH cerrara seu sorriso cínico. A lua nova que assistia a tudo lá do alto tratou logo de se esconder atrás da serra. Só ficara inerte na escuridão a destemida e centenária TIMBAÚBA. 

Um comentário:

  1. Gostei do texto areton. Parece mais um romance da vida real da vizinha Ipu
    Prof. Leôncio Guerra.
    Crateús-ce.

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