Crimes bem aceitos
Por Janio de
Freitas, Folha de São Paulo, via Conteúdo Livre02/10/2011
Se as práticas de
repressão contra greves usam de violência desumana e
criminosa, no Estado de
Direito devem ser tratadas como tais.
O ressurgimento das
greves e outras manifestações reivindicatórias traz também de volta a
vulgarização de uma prática inadmissível no Estado de Direito: a violência da
repressão policial, executada com características criminosas. E impune,
portanto. Mais ainda: como representação do Estado. Logo, Estado policial.
A ferocidade
descarregada pela polícia do Ceará contra professores que pretendiam
acompanhar, na Assembleia Legislativa, uma votação do seu interesse, não deveu
nada, no propósito e na violência armada contra indefesos, à sanha da polícia,
da soldadesca e de seus chefetes na ditadura. Pessoas arrastadas pelos cabelos,
espancadas, chutadas no chão, feridas -cenas assim voltam a repetir-se com frequência.
E não suscitam, da parte dos meios de comunicação em geral, mais do que
registros banais, quando existem. Da sociedade, organizada ou dispersa, apenas
a indiferença abobalhada.
A tucanice já
debitou a Dilma Rousseff o ressurgimento e as próprias greves. Mas só a dos
Correios é federal, as várias outras são estaduais. Dessa divisão decorre um
reflexo agravante. As vítimas costumeiras da repressão criminosa são grevistas
e manifestantes de atividades estaduais ou municipais.
A menos que se
excedam muito, servidores federais são mais poupados pelos governantes
regionais para evitar problema com o governo central. É uma prova a mais do
comprometimento desses governantes com a violência criminosa de suas polícias.
A desculpa é sempre
a mesma: os grevistas ou manifestantes iniciaram o conflito. Os uniformes e
equipamentos atuais das PMs, porém, estão aptos a suportar ilesos e a reprimir
sem violência criminosa o que civis desarmados, e expostos na indumentária
singela, podem fazer.
A repressão que
extravasa perversidade é criminosa. Não pode representar o Estado de Direito,
pela simples e forte razão de que o trai. Nega-o. A sempre citada necessidade
de formar policiais avessos à corrupção e ao bandidismo é um problema
funcional. Há também, no entanto, o problema nunca citado e maior do que
qualquer outro, porque na raiz de todos: o problema institucional da falta de
civilidade das polícias. Carência básica da seleção, formação e atividade dos
policiais.
Carência equivalente
existe fora das polícias e em relação a seus métodos: se as práticas de
repressão usam de violência perversa, desumana, criminosa, no Estado de Direito
devem ser tratadas como tais. Sob leis condenatórias com peso idêntico ao
aplicado a civis e até, às vezes, a crimes de policiais fora de serviço.
O “excesso”, como
dizem, só é excesso em regime policialesco. No Estado de Direito é crime, e ao
processo respectivo devem submeter-se os acusados de praticá-lo e de
autorizá-lo. Então, estará dado um passo para a democracia.
No Maria Frô
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