A senhora quer dizer que a ascensão
funcional na magistratura depende dessa troca de favores?
O ideal seria que as promoções
acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas
nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os
mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém
porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do
Judiciário.
Esse problema atinge também os
tribunais superiores, onde as nomeações são feitas pelo presidente da
República?
Estamos falando de outra questão
muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário.
Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de
que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal.
A tese que a senhora critica foi
usada pelo ministro Cesar Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia,
que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
É uma tese equivocada, que serve
muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia
anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta
apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia,
investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas
as provas, você vai desconsiderar? Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia
anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma
intimidade indecente com o poder.
Existe essa relação de subserviência
da Justiça ao mundo da política?
Para ascender na carreira, o juiz
precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e
exclusivamente político.
Mas a senhora, como todos os demais
ministros, chegou ao STJ por meio desse mecanismo.
Certa vez me perguntaram se eu tinha
padrinhos políticos. Eu disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”. Eu
sou fruto de um sistema. Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de
primeiro passar pelo crivo dos ministros, depois do presidente da República e
ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.
No caso da senhora, alguém já tentou
cobrar a fatura depois?
Nunca. Eles têm medo desse meu jeito.
Eu não sou a única rebelde nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Há
colegas que, quando chegam para montar o gabinete, não têm o direito de
escolher um assessor sequer, porque já está tudo preenchido por indicação
política.
Há um assunto tabu na Justiça que é a
atuação de advogados que também são filhos ou parentes de ministros. Como a
senhora observa essa prática?
Infelizmente, é uma realidade, que
inclusive já denunciei no STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra
para coibir. É um problema muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros.
Dizem que têm trânsito na corte e exibem isso a seus clientes.
E como resolver esse problema?
Não há lei que resolva isso. É falta
de caráter. Esses filhos de ministros tinham de ter estofo moral para saber
disso. Normalmente, eles nem sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De
modo geral, eles não botam procuração nos autos, não escrevem. Na hora do
julgamento, aparecem para entregar memoriais que eles nem sequer escreveram.
Quase sempre é só lobby.
Como corregedora, o que a senhora
pretende fazer?
Nós, magistrados, temos tendência a
ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem
decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma
mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas,
essas vestes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com
que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter
práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença
que é a “juizite”.
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