Governar com lei delegada é autoritário em Minas ou na Venezuela - Clique em Mais informações
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Abaixo, a gente lê que o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), conseguiu na Assembléia uma maioria esmagadora para poder fazer uma reforma administrativa por meio de lei delegada — vale dizer: o Legislativo não participa. Duas coisas combinadas e opostas: a) na América Latina, o governante que abusa de tal expediente é Hugo Chávez; b) Antonio Anastasia não é Hugo Chávez. Então vamos pensar.
Cinqüenta votos a 12? Que coisa, hein!? Muito se fala, e há algum fundamento nisto, que é bom o Executivo ter uma maioria folgada porque consegue implementar com mais celeridade suas propostas. Mas não parece bom que essa maioria seja usada para anular um dos Três Poderes, como é o caso. Não, Anastasia não é um Chávez de Minas, mas e se fosse? Na democracia, as instituições têm de valer mais do que as inclinações e gostos pessoais. Não venham me dizer que esse é um bom procedimento para o regime democrático porque não é. Pra que agredir Montesquieu a esta altura dos acontecimentos?
Pergunta óbvia: quem consegue um placar de 50 a 12 no Legislativo para que o Poder renuncie a suas prerrogativas não teria maioria folgada para fazer a reforma com a participação desse Poder? Se a maioria é usada para excluir a Assembléia, por que não pode ser usada para incluir?
Ora… Dilma Rousseff também terá maioria folgada no Congresso. Caso ela queira fazer uma reforma por meio de lei delegada, o PSDB de Anastasia votará a favor? Se Anastasia pode, por que não Dilma? Qualquer proposta nesse sentido desencadearia uma onda de protestos contra a então presidente. Certamente os editoriais falariam em risco para a democracia. E estariam certos os que se opusessem à iniciativa!
Diante dos protestos da oposição, um tal Alencar da Silveira (PDT) desdenhou, lembrando a “lavada” eleitoral dada por Anastasia fazendo chacota: “O choro é livre”. Do ponto de vista democrático, é uma argumentação delinqüente, bucéfala. Extinguir a democracia não é um dos direitos do eleito — aliás, nem do eleitor!
Questão de princípio
Uma prática ruim não passa a ser boa porque empregada por este ou por aquele lado da disputa. Tenho simpatia pelo governador Anastasia. Parece-me um homem sério, comprometido com a gestão pública. Nem por isso lhe facultarei, aqui no meu tribunal particular, individual, licenças que a outros não facultaria — porque contrárias à prática democrática — na certeza de que, em suas mãos, o mal seria transformado em bem. Tampouco me importa se ele pode, sozinho, fazer uma reforma melhor do que a que se faria com a participação da Assembléia. Escrevi ontem aqui que ações públicas não podem buscar apenas a eficiência; elas também têm de estar comprometidas com uma ética. A que exclui o Legislativo não é boa porque agride o princípio democrático.
Não gosto do PT! Alguma dúvida a respeito disso? Minha crítica é a mais honesta possível. Não lhe atribuo nada que não faça de fato. Escrevi milhares de textos críticos ao partido. Ocupo-me mais dele porque esse autoritarismo não é episódico, mas sistemático, metódico; trata-se de um modo de ver o mundo. Mas é evidente que a legenda não é monopolista de práticas que considero condenáveis.
Se a moda pega, vamos chegar à conclusão de que o empecilho para a modernização do Brasil é, num primeiro momento, o Legislativo. Logo alguém vai considerar que a Justiça também costuma atrapalhar… Na China, por exemplo, não há nenhuma dessas coisas que Sergio Cabral, o impressionante governado do Rio, chamaria de “hipocrisia”…
Sem essa! Se Anastasia pode, então os outros, incluindo Dilma, também podem. E, se todos puderem, em vez de democracia, teremos uma ditadura — ainda que uma ditadura do consentimento. Não combato o PT em razão de “preconceito”. Combato o autoritarismo, esteja onde estiver, mostre-se ele na forma de uma estrela ou de uma ave boa de bico. PS - “E se fosse em São Paulo, você estaria criticando?” Que eu saiba, Geraldo Alckmin não pretende fazer nada parecido em São Paulo; caso faça, vocês terão a chance de verificar se o princípio que enuncio tem ou não validade.
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